Sento no fundo, abro a janela e sinto o vento bater no rosto. Meio prosa meio poesia levo a vida nos ônibus, meu cavalo alado nessa selva de pedra. A novidade é o bilhete único. Desapertou a coleira dos passageiros. O transporte é público, mas a concessão é privada. Alguns precisam ganham milhões para que as pessoas tenham o direito de circular pela cidade. Mas agora tenho bilhete único. Com 4,40 vou até o pontão da ECO na Urca ou até o Pontão do Enraizados no Morro Agudo. Geração digital fazendo a ligação a Baixada- Zona Sul com cabos óticos e wireless. Mas deixa eu voltar ao ônibus. Até a Central são 5,60. Mais 2,40 pra zona sul ou zona norte. Oito pratas só pra ir.
Agora esse negócio de só duas horas para pegar outro ônibus é meio caô. Os engarrafamentos estão enormes. Avenida Brasil, Dutra e Washington Luis. Carros, ônibus, caminhões e motos disputam cada centímetro de asfalto na corrida contra o tempo. Frustração no cotidiano de quem está em pé, espremido com mais setenta passageiros. De vinte a trinta quilômetros de engarrafamento para começar o dia, junto com um gole de café preto e uma fatia de queijo branco.
A capa para o bilhete único é um real na central e vem com uma cordinha. Preciso cuidar bem do bilhete que economiza o meu dinheiro e dá fôlego para andar pela cidade. Não pense você que isso é apologia ao governo Cabral. Eu votei no Jeferson Moura. Aliais, nesse mesmo ônibus em que pago menos, não tem cobrador. Motorista dirigindo e cobrando, se estressando dobrado, comprometendo a segurança dos passageiros e atrasando a viagem.
Sigo em frente. Passo o cartão na maquininha amarela e a tela avisa zero reais. A luz verde acende e rodo a roleta. Adoro. O busão passa pelo cais do porto, região central onde a cidade começou. São as obras do Porto maravilha! Milhões em investimentos e dezenas de despejados. Especulação imobiliária, farra com o dinheiro público e o direito a moradia negado. Acabou a euforia da escolha da cidade sede. As aves de rapina estão prontas pra dar o bote enquanto a gente brinca no parquinho da praça. Vejo tudo isso pela janela do busão, onde um clipe sem musica acontece diante de nossos olhos. Encerro por aqui porque preciso andar. Ainda tenho credito no bilhete.

Henrique Silveira